Edições dos artistas Binho Barreto, Clara Moreira, Daniela Paoliello, Erreerre, Julia Panadés, Marina Tasca, Marcela Novaes, Ricardo Burgarelli e Roberto Bellini, em mídias como impressão fine arte, impressão digital, serigrafia e risografia.
Conheça nossa coleção!
Com texto crítico de Maria Angêlica Melendi, a mostra reúne uma seleção de obras de Burgarelli produzidas nos últimos cinco anos, e combina desenho, impressão, objetos e vídeos em uma montagem de caráter instalativo.
O museu será transformado em um espaço de relato fragmentado e polifônico, inspirado na tese de doutorado de Ricardo, defendida em 2022, intitulada Rito do Amor Selvagem: Uma Polifonia Dialética Desarmônica. Tanto a pesquisa acadêmica quanto as obras da mostra exploram a relação entre ``situação`` e ``acidente`` como catalisadores estéticos e narrativos. Essas dinâmicas desestabilizadoras ressoam memórias políticas e sociais, criando um diálogo entre improviso e agenciamento.
A exposição é atravessada pela influência do artista José Agrippino de Paula (1937-2007), cuja prática artística contribui para o entendimento do ``rito de trabalho`` que permeia as criações de Burgarelli. O resultado é uma experiência visual e sensorial que convida o público a refletir sobre as tensões entre ordem e improviso, memória e contemporaneidade.
DO DESENHO COMO RUÍNA
Desenhar é um ato particular, um processo de esclarecimento e um trabalho de obscurecimento, que, ao mesmo tempo que ilumina, esconde. Um espaço de sombras perpassa esse ato. Derrida acredita que o desenhar nasce como uma cisão entre aparecimentos e velamentos que interrompem um ao outro de forma perpétua (1). Escrita e desenho são palimpsestos que se dão inscrevendo-se, escondendo-se e apagando-se sem fim.
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Sobre grandes folhas de papel os traços vão se acumulando, febris, largos, miúdos, nervosos. A folha é tão ampla como uma parede e, de longe, cada desenho aparece como um muro grafitado por mil mãos. Mas não são mil mãos, são apenas as mãos de Ricardo Burgarelli que cobrem o papel de imagens, signos e cores.
Nos idos de 1970, o “desenho mineiro” destacava-se nos salões nacionais por sua excelência, feita de sobriedade e monocromia. Isaura Pena, Mónica Sartori, Humberto Borem, entre muitos outros, exibiam desenhos em pretos e cinzas, uns poucos traços espalhados sobre as folhas brancas. Frederico Moraes fala desses desenhos como uma forma de resistência à ditadura que grassava no Brasil. Como se os artistas, emudecidos, pudessem se expressar apenas com essa economia de traços.
Os desenhos de Ricardo, cinquenta anos depois, parecem se opor enfaticamente àqueles. O que vemos aqui é uma pletora de signos: palavras, imagens, riscos, rabiscos, ritmos gráficos feitos com técnicas distintas: colagem, lápis de cor, bastão de óleo, caneta posca...
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Daí Que Esburacavam um Músculo da Noite (2021) é um desses trabalhos cujo título aparece grafado na parte superior. No emaranhado das linhas, escondem-se algumas figuras: algumas pessoas na parte inferior, uma jovem andando, varias formas humanas e por fim, um grupo manifestando. Mas, para vê-los, devemos apertar os olhos e contemplar com cuidado o desenho que nos cativa pelo variegado de suas cores quando não pela beleza de suas tramas. Traços encima de traços, texturas que rasuram outras texturas, palavras, imagens. Como se o desenho obedecesse às ordens de um caos primordial. Longe dos ensinamentos de qualquer academia.
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“Como amar outra coisa que não a possibilidade da ruína?”(2) Não é a ruína à que se refere Levy Strauss e que Caetano tornará famosa: aqui parece que tudo está ainda em construção e já é ruína (3). É a ruína primordial, aquela que ameaça toda construção humana. Porque tudo corre o risco de se transformar em ruína: o país que nos viu nascer, nossa cidade, a casa em que vivemos, nossa escola, nossos livros, nossos amores. Em qualquer tentativa de completude, percebemos os sentidos que se esvaem por entre os dedos. Tudo muda rapidamente. A experiência, hoje mais que nunca, apresenta-se fragmentada, captável apenas em partes, fugidia. No traço, significante e significado confundem-se, pois qualquer uma das dicotomias clássicas sequer podem se referir ao momento enclausurado e eclipsado de sua origem.
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A animação Renascimento do maravilhoso feita em colaboração com Erre Erre, se utiliza também dos recursos do desenho e da colagem, num delírio gráfico que homenageia o delírio literário de Agripino de Paula, autor de Pan América, 1967. Essa epopeia, como o autor a chama, foi escrita em fragmentos ao longo de três anos. Os mitos da cultura de massa como Marylin Monroe, Cassius Clay, Frank Sinatra, Che Guevara, entre outros, sucedem-se na filmagem da Bíblia Sagrada em Hollywood. De maneira similar, em Renascimento do maravilhoso, há um desfile de exus incandescentes e ancestrais ao redor de um bebê, que anuncia o renascer. As imagens passam velozes, riscos, traços, silhuetas, fotografias antigas, recortes de xerox.
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A primazia do desenho, manifesta-se, também, nas serigrafias do artista, tal vez mais harmônicas e poéticas. A técnica obriga a um controle que é posterior ao desenho, por natureza, incontrolável. Em Anti, a figura do invasor europeu, jaz amarrada no chão, sob uma chuva de moedas; em Nublo II, o mergulhador de Paestum se lança num mar de espirais celestes; em Nublo I, mais próxima dos desenhos, campeia a rosa mística.
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No marasmo e na turbulência dos dias presentes, Ricardo Burgarelli consegue nos lembrar de persistentes demandas de liberdade que atravessaram e atravessam qualquer caos, qualquer ruína. O desenho em ruínas chegaria a alcançar ainda a possível sedução do desfazimento da forma pela atuação de forças naturais: uma inversão do ordenamento típico percebida como um apagamento, fugaz, do esclarecimento.
Texto crítico: Maria Angêlica Melendi
(1) Derrida, Jaques. Memórias de Cego. O autorretrato e outras ruínas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
(2) Derrida, Jaques. Memórias de Cego. O autorretrato e outras ruínas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
(3) Levy Strauss, Claude. Tristes Trópicos. Buenos Aires, Eudeba, 1967.
INFOS:
Abertura exposição Rito do Amor Selvagem
Museu Mineiro | Av. João Pinheiro 342, Centro. Belo Horizonte - MG.
A exposição continua até 26.1.25
Visitação : Terça a sexta 12 - 19H
Sábado, domingo e feriado 11 - 17H.
[email protected] 31.32128.4214