23 de Março de 2023 a 20 de Maio de 2023 / Casa Gal, Belo Horizonte / MG

Acordo abruptamente / Consciente de que o tempo é circular / Abro a janela / Me encosto no parapeito / Não é miragem / Eu queria ser paisagem / Queria o apenas ser das nuvens

Me queria montanha / Centrada e impenetrável / Acendo a luz / Procuro no espelho a imagem de mim que me resta / Vejo o vento suspirando tão depressa / Lapidando as pedras 

Esculpindo rastros /Buracos / Sinto falta de um corpo familiar / Queria ser montanha / Mas estou água

Outeiro, Renata Laguardia

GAL tem o prazer de apresentar a exposição individual da artista Renata Laguardia: Realmente uma Ilusão.

REALMENTE UMA ILUSÃO

Renata Laguardia sempre se lembra dos seus sonhos. Talvez seja por isso que trata as imagens que coleta em seu tempo acordada com um procedimento similar ao que fazemos com os sonhos – observa-as e as guarda na memória. As referências reais e sonhadas são então contaminadas por elaborações posteriores, tanto no processo de decodificação mental dos estímulos quanto no manuseio das tintas e pinceis.

As cenas resultantes são apresentadas com uma materialidade que parece transformar a intangibilidade do onírico em fruição tátil. Camadas grossas de tinta deixam evidente o gesto que plasmou na tela o que a artista fabulou. Laguardia organiza suas composições de acordo com uma lógica que nem sempre os sonhos têm, como se guardasse algo que não deseja revelar (faço aqui um jogo semântico com seu sobrenome), mas nos permitisse partilhar, até certo ponto, de seu imaginário. Suas paisagens são nitidamente fantásticas, mas familiares o suficente para que nos aproximemos delas e reconheçamos elementos comuns em nosso conceito de natureza, ainda que a fatura das telas não seja naturalista.

São ambientes exteriores, alguns mais panorâmicos e outros a partir de uma perspectiva mais fechada, quase como um flagrante rápido. Aqui e ali, aparecem retângulos, geralmente de nuvens às quais a artista confere um tratamento similar ao que dá às águas – ou seriam águas tratadas como nuvens? Essas inserções nos lembram que estamos no terreno fluido dos sonhos. A água, por sinal, está quase sempre presente, mas não se trata de uma água límpida ou transparente. Ao contrário, Laguardia se dedica a capturar os movimentos dessas águas de tal modo que elas ganham aspecto quase sólido, abstrato, impenetrável.

Não é à toa que a artista se interessa por igarapés. Esses cursos de água turva que se formam em meio às árvores são vias estreitas que só podem ser percorridas por embarcações pequenas, como canoas. Analogamente, apreciar as pinturas de Renata Laguardia exige uma atenção mais dedicada que o simples ato de olhar. Há aqui um caráter quase lúdico, em que as paisagens se deixam ver, mas não se deixam decifrar, da mesma maneira que sabemos dos pensamentos alheios apenas o que o pensante nos permite acessar.

De longe, tudo parece simples, até direto. Mas não. Quanto mais nos aproximamos, mais entendemos que existe ali um limite que a retina não consegue cruzar. Como advertiu a voz que a artista ouviu num sonho, a visão é um sentido insuficiente.

Texto crítico: Sylvia Werneck

Curadoria: Laura Barbi

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OBRAS DISPONÍVEIS

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