Sob Neblina – Individual Julia Baumfeld

GAL, em parceria com a Galeria de Arte do Centro Cultural Sesiminas, apresenta Sob Neblina, exposição individual da artista Julia Baumfeld. Sob Neblina reúne trabalhos em monotipia, fotografia e vídeo, produzidos entre 2020 e 2021, a partir de jogos do “I Ching”, oráculo onde combinações de linhas firmes e maleáveis formam interpretações de imagens que refletem estados momentâneos do universo interior e exterior.

A imagem da neblina envolve a exposição. É uma paisagem turva, em movimento vaporizado. Julia cresceu em Brumadinho – lugar que traz no significado do seu nome as brumas que percorrem seus morros. Entre curvas e névoas, os trabalhos aludem à paisagem montanhosa a qual olhou durante a vida, onde também testemunhou o maior cume do horizonte ser feito uma cratera de rejeitos, que se rompeu em 2019, matando tudo em seu caminho.

SOB NEBLINA

Desenha linhas de verso forte, contrastadas de planos. Pegadas e gestos de atravessar. Cresceu com uma linha no horizonte perdurando manhã, tarde e noite. Sua natureza é de céu e montanha embaixo dos pés. Bem perto dela tem pedra dentro, e lá no dentro é possível sentir que as linhas são coisas molhadas. Basta encostar o ouvido na terra para escutar um broto de oceano.  Em dias de tormenta ou névoa, a linha se esconde, como se o mundo carecesse de ser todo página branca.

Foi se inventando nesse olhar ao longe, nessa linha lá embaixo. Lá, demarcando um entre-mundos. Algo tem, para lá e para cá destas linhas, além de uma clara insistência em separar os mundos. Cerrando os olhos, como que para ver um pouco mais essa terra, vislumbrou linhas de montanhas abaixo do horizonte, caminhando em direção às pedras que sentava por horas, dias, anos, vendo nuvens que lhe fugiam. As nuvens são brumas lá embaixo. Vai lá. Lá tem alguém que compartilha estas linhas. Tem as linhas e o céu sobre a cabeça. Também pensa em linhas molhadas. Vimos em várias caminhadas em busca da água que as linhas lá de cima estavam se rompendo. Explosões há muito tiram o sossego da mata. 

Em sua primeira exposição individual, Sob Neblina, Julia Baumfeld apresenta trabalhos realizados entre 2020 e 2021. São desenhos frágeis feitos em papel de seda e outros fáceis de rasgar, translúcidos e ao mesmo tempo vigorosos. Se em seu filme “Todas as casas menos a Minha’’, de 2018, existe uma voz que narra, apresenta casas astrológicas e estabelece caminhos e entendimentos, na exposição “Sob Neblina” é o oráculo milenar chinês I-Ching que se apresenta como método. O I Ching utiliza da simbologia dos elementos da natureza e os transforma em imagens, a partir de linhas em camadas, formando um hexagrama constituído por seis linhas. Existem 64 hexagramas considerando combinações entre oito trigramas básicos (céu, trovão, água, montanha, terra, vento, fogo e lago). 

Os trabalhos em exposição na mostra foram realizados a partir das imagens dos hexagramas e de caminhadas longas. O hexagrama ‘montanha sobre terra’ versa o desenho “Desintegração’’. O vídeo “Abismal”, é ‘água sobre água’. Paisagens desde lados opostos marcam o papel em suas duas faces. Cada linha, cada curva das montanhas se dão a conhecer e conhecem. Caminho de plantas e árvores que viram crescer desenhos. Buracos crescem ao redor e dói em manchas.

Texto crítico: Marcelino Peixoto | Curadoria: Laura Barbi (GAL)